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Bruna Allemann
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Jornalista especializada em economia e finanças, Bruna Allemann descomplica o mercado financeiro e orienta sobre as melhores práticas de economia pessoal, investimentos e planejamento financeiro.

O brasileiro deve, mas paga: o verdadeiro risco é quando o endividado vira inadimplente

O brasileiro tem medo da palavra dívida — como se toda obrigação financeira fosse um pecado mortal. Mas ser endividado não é o problema. O problema é ser inadimplente. Existe uma diferença moral e econômica entre dever e calotear.

Eu sou endividado, e você provavelmente também é. Se tem um financiamento imobiliário, um carro parcelado, ou comprou aquele celular novo em 10 vezes, bem-vindo ao clube. Você deve, mas paga — e é isso que te mantém no jogo. O endividamento é uma relação de confiança: alguém acredita que você vai cumprir sua palavra no futuro.

Ser inadimplente, por outro lado, é outra história. É quando a promessa quebra. Quando o mês vira e o cartão entra no rotativo, e os juros começam a te devorar dia após dia. O rotativo do cartão é o inferno financeiro contemporâneo: bonito na propaganda, mas com juros que fariam um agiota corar.

Em países como os Estados Unidos, o endividamento é parte da rotina. Famílias hipotecam casas, carros, estudos, até o cachorro. E mesmo assim, a economia gira. Não é a dívida que destrói — é a incapacidade de administrá-la. O problema no Brasil não é o crédito em si, mas o uso inconsequente dele, somado a uma cultura que transforma o parcelamento em extensão do salário.

Nos últimos meses, supermercados, farmácias e até atacadistas começaram a parcelar compras básicas. É o retrato de uma economia de sobrevivência. E enquanto a taxa de juros não cai, as famílias apertam o cinto e empurram dívidas para frente, esperando um alívio que teima em não chegar.

Quando os juros finalmente baixarem, o cenário melhora — mas até lá, a disciplina é o nome do jogo. Fazer dívida inteligente é saber a diferença entre precisar e querer. Parcelar um medicamento é uma necessidade; parcelar um tênis de luxo é um capricho. O problema é que confundimos os dois com a mesma facilidade com que clicamos em “comprar agora”.

O cartão de crédito, afinal, não é vilão. Ele só se torna um quando você trata o limite como se fosse renda. O truque é simples: some todas as parcelas, coloque numa planilha e veja o que já está comprometido. O susto é garantido. Aquele “não gastei nada esse mês” costuma ser mentira — o gasto já estava programado, você só não se deu conta.

No fim, o endividamento é parte do ciclo econômico, mas a inadimplência é parte do ciclo humano: é o reflexo da nossa dificuldade em lidar com o tempo, o desejo e o limite. Ser endividado é normal. O que não dá é ser ingênuo.