O Tesouro Direto nasceu em 2002 com um propósito claro: democratizar o acesso ao investimento mais seguro do país.
Em vez de deixar o financiamento da dívida pública restrito a grandes instituições, o governo criou um canal para que qualquer pessoa física pudesse emprestar dinheiro ao Estado de forma simples e com valores baixos. De lá para cá, mais de 2 milhões de brasileiros se tornaram investidores do Tesouro Nacional, consolidando o programa como o primeiro passo da educação financeira de quem decide sair da poupança.
Agora, o Tesouro volta ao noticiário com uma novidade: o programa de cashback.
A ideia é incentivar a compra de títulos públicos oferecendo uma bonificação — uma espécie de “dinheiro de volta”. Na prática, o investidor aplica e, cumprindo certas condições, recebe uma pequena quantia como recompensa. É o investimento com “prêmio de engajamento”. E isso diz muito sobre o momento em que vivemos.
O que é e por que importa
Quando alguém compra um título público, está emprestando dinheiro ao governo para financiar suas atividades. Em troca, o Tesouro paga juros, que variam conforme o tipo de título:
• Tesouro Selic — atrelado à taxa básica de juros, ideal para quem busca liquidez;
• Tesouro Prefixado — com taxa fixa, indicado para quem aposta em queda dos juros;
• Tesouro IPCA+ — que paga a inflação mais uma taxa real, para preservar o poder de compra.
Todos têm um ponto em comum: educam antes de remunerar.
O cashback, nesse contexto, é um gesto simbólico. De um lado, mostra o esforço de aproximar o brasileiro do investimento; de outro, revela a dificuldade em compreender o valor do longo prazo.
Vivemos no país do imediatismo: queremos retorno rápido, resultados instantâneos e recompensas imediatas. No consumo, isso aparece em pontos e milhas. Agora, chega também aos investimentos — e o perigo é que a recompensa vire o objetivo, não o meio.
O Tesouro sempre foi uma escola de paciência: ensina que o dinheiro precisa de tempo e que os juros compostos dependem de constância.
Mas, quando o incentivo vira cashback, a mensagem muda: invista porque vai ganhar algo agora.
E isso empobrece o propósito da educação financeira.
O risco da superficialidade
O problema não é o programa em si — qualquer estímulo à renda fixa é bem-vindo. O risco está na superficialidade do aprendizado.
• Não adianta investir por impulso e resgatar na primeira oscilação.
• Não adianta aplicar no Tesouro IPCA+ e vender antes do vencimento porque o preço caiu.
• E, principalmente, não adianta buscar o cashback sem entender o que é um título público e por que ele existe.
• Investir é consequência de entender o sistema.
O Tesouro é um espelho da economia: quando o governo gasta mais, precisa emitir mais títulos; quando o juro sobe, eles se valorizam; quando há confiança, o país se financia com menor custo.
Cada título vendido é um termômetro da nossa credibilidade — e investir nele é também um ato de cidadania econômica.
Educação financeira é mais do que incentivo
Transformar o investimento em um programa de recompensas pode ser uma boa estratégia de marketing, mas não substitui a educação financeira.
• É ela que faz o investidor entender que o ganho está no tempo, não no brinde.
• Que o juro composto não depende de sorte, mas de constância.
• E que a segurança do Tesouro é ponto de partida — não destino final.
• O cashback pode até ajudar o brasileiro a dar o primeiro passo.
Mas o que vai mantê-lo no caminho é compreender que investir não é ganhar um presente do governo: é firmar um contrato de responsabilidade entre quem empresta e quem administra o país.
E, nesse contrato, o que vale não é o dinheiro de volta. É a consciência que fica.
